Os Regimes Democráticos

terça-feira, 7 de junho de 2011

A presente abordagem diz respeito ao nono capítulo da obra Curso de Ciências Políticas, intitulado Os Regimes Democráticos. Seu autor, Gianfranco Pasquino, é um cientista político italiano, com experiências profissionais na Universidade de Florença, Harvard University, University of California, e na Escola de Estudos Internacionais Avançados, em Washington DC.
O capítulo é estruturado de forma a analisar a formação, existência e o funcionamento dos regimes democráticos. Para tanto, parte-se da definição de Schumpeter de que “o método democrático consiste no arranjo institucional necessário para chegar a decisões políticas no qual algumas pessoas alcançam o poder de decidir através de uma competição destinada a obter o voto popular” [1947, p. 269].
Prontamente pode-se criticar a citada definição, por ela se fazer simplista a ponto de reduzir a democracia à concorrência eleitoral. O povo seria livre apenas durante o período das eleições. De resto, seria passivo às decisões do quadro político vencedor.
Pasquino posiciona-se contrário a tais críticas. Segundo ele, é preciso considerar a complexidade do processo que leva um grupo de pessoas a concorrer às eleições e a ganhá-las. Em adição, seria preciso também levar em conta as modalidades de governo adotadas pelos vencedores, bem como as probabilidades de os cidadãos pressionarem os governantes.
Então, mesmo que não se conheçam as reais intenções de quem assume o poder, a maior parte dos governantes seguiria as vontades do eleitorado, com medo de perder sua representatividade nas eleições subsequentes. Contudo, essa “idealização” defendida pelo autor italiano deixa de lado variáveis importantes, como a manipulação dos meios de comunicação pelos detentores do poder, bem como a recorrente falta de consciência política do eleitorado.
Um dos principais requisitos para a existência de um regime democrático é o sufrágio. O corpo eleitoral deve corresponder a todos os cidadãos, sem qualquer discriminação a não ser a idade – o autor considera cidadão todo e qualquer indivíduo constituinte da população de determinado país.
É igualmente importante que os cidadãos possam exercer livremente as atividades responsáveis pela estruturação do voto, como manifestações, petições e críticas ao governo vigente. Devem ser respeitados também direitos de reunião, de expressão, e de imprensa – observa-se novamente uma idealização por parte do autor, pois cabe ressaltar a privação de algum desses direitos em Estados ditos democráticos. A lembrar: a recente proibição e restrição de manifestações públicas no estado de São Paulo.
Robert Dahl acredita que a democracia derive do conjunto de dois elementos: em primeiro lugar, a chamada liberalização, em que há o aumento das oportunidades de contestação, capaz de conduzir os regimes fechados a favor das oligarquias concorrentes; e a inclusão, em que ocorre o aumento nas atividades de participação da população. O resultado são os chamados regimes poliárquicos, em que nenhum grupo está, a rigor, em condições de exercer domínio sobre os demais.
O regime democrático surge e funciona, segundo Dahl, pela ação de uma camada em tese numerosa da população, a favor da tolerância política, da interiorização das normas democráticas, de sua legitimação e do controle de conflitos. Outro aspecto é a aceitação mútua das elites, que assim convivem entre si e competem pelo poder político.
Ainda citando Robert Dahl, Pasquino ressalta brevemente o aspecto da inconveniência trazida pelo capitalismo nos regimes democráticos, sobretudo quanto ao desequilíbrio de poder a favor dos “capitalistas”. O mesmo fenômeno teria ocorrido em sistemas econômicos socialistas, pois neles não houve de fato a extinção dos poderes concentrados nas mãos de uma minoria.
O ordenamento internacional é outro fator de influência no curso de regimes democráticos, tanto para a facilitação, quanto para a debilitação deles. Pode-se constituir uma rede de apoio, quando o contexto democrático for sólido. Pode-se também estabelecer um elemento de forte perturbação, ao se observarem tendências à subversão da democracia.
As condições sócio-econômicas, de acordo com a tese do sociólogo político Seymour Martin Lipset [1981], são diretamente proporcionais à estabilidade de um regime democrático. Para tanto, fundamentam-se em indicadores como renda per-capta, nível de instrução, taxa de urbanização, nível de industrialização e a exposição aos meios de comunicação social. Essa tese, objeto de grandes reformulações, busca mostrar uma relação de causa e efeito entre desenvolvimento sócio-econômico e estabilidade da democracia.
Alguns estudiosos defendem a ideia de que são as grandes desigualdades entre classes os principais responsáveis pela debilitação da democracia. Outros defendem que é a maneira com que o desenvolvimento sócio-econômico foi atingido. A tentativa de alcançar o desenvolvimento de forma acelerada, por exemplo, tenderia a fazer apelos a métodos autoritários, desestabilizando assim o sistema político democrático.
Tendo em vista a influência e o comportamento das elites em um sistema democrático, Arend Lijphart elaborou a seguinte classificação: democracias centrípetas, caracterizadas por uma cultura política homogênea e um comportamento concorrencial das elites (sistemas políticos anglo-saxônicos); democracias centrífugas, caracterizadas por uma cultura política fragmentada e por um comportamento igualmente competitivo das elites – casos de França, Alemanha e Itália; democracias associativas, dadas pela fragmentação da cultura política e a coesão do comportamento das elites – casos de Áustria, Bélgica, Holanda e Suíça; e as democracias despolitizadas, em que a cultura política é homogênea e as elites, coesas.
Levando-se em consideração as variáveis institucionais, Lijpihart caracteriza duas lógicas diametralmente opostas: As democracias maioritárias, e as consensuais. A primeira valoriza o conflito político; a segunda, receosa dos efeitos desse método, prefere buscar acordos.
Os elementos constituintes das democracias maioritárias são: preponderância do executivo; sistema bipartidário; sistema eleitoral majoritário; pluralismo de grupos de interesse; sistema de governo unitário e centralizado; concentração do poder legislativo em uma assembleia de uma só câmara; constituição flexível; ausência de judicial review; e controle do banco central pelo executivo.
Já quanto ao modelo consensual, destacam-se: partilha do poder executivo, com a existência de grandes coligações; equilíbrio dos poderes executivo e legislativo; sistema multipartidário; representação proporcional; corporativismo dos grupos de interesse; federalismo e governo descentralizado; forte bicameralismo; constituição rígida; judicial review; e independência do banco central.
Cabe ressaltar que essa classificação revela incertezas e insuficiências, principalmente por se basear em muitos elementos. Assim, alguns sistemas políticos mudam de categoria com a mera alteração de determinado elemento significativo, como o sistema eleitoral, por exemplo. Assim, quanto mais significativos forem os elementos utilizados, mais úteis são as classificações pretendidas.
Evidentemente, podem existir casos em que a maioria que governa está sobredimensionada e casos em que o governo não chega a ser composto por uma maioria. Pode haver decisões adotadas por uma maioria relativa, e outras, tomadas por uma maioria qualificada. O que deve contar, contudo, é que a democracia se rege precisamente pela aceitabilidade e ela legitimidade do princípio do Governo da maioria.
Por fim, o futuro da democracia enxerga suas bases no descrédito conferido às possibilidades alternativas de governo, como o viés totalitário. Fato é que a vertente democrática não conseguiu cumprir inúmeras promessas, tais quais tornar-se uma sociedade de iguais, sem corpos intermediários; eliminar os interesses organizados e particulares que se opõem aos da generalidade, consubstanciados na representação política; acabar com as oligarquias; estender-se aos aparelhos burocrático administrativo e militar do Estado e às empresas; destruir os chamados poderes invisíveis; e elevar o nível de educação política dos cidadãos.

Arthur Meibak