Os Regimes Democráticos

terça-feira, 7 de junho de 2011

A presente abordagem diz respeito ao nono capítulo da obra Curso de Ciências Políticas, intitulado Os Regimes Democráticos. Seu autor, Gianfranco Pasquino, é um cientista político italiano, com experiências profissionais na Universidade de Florença, Harvard University, University of California, e na Escola de Estudos Internacionais Avançados, em Washington DC.
O capítulo é estruturado de forma a analisar a formação, existência e o funcionamento dos regimes democráticos. Para tanto, parte-se da definição de Schumpeter de que “o método democrático consiste no arranjo institucional necessário para chegar a decisões políticas no qual algumas pessoas alcançam o poder de decidir através de uma competição destinada a obter o voto popular” [1947, p. 269].
Prontamente pode-se criticar a citada definição, por ela se fazer simplista a ponto de reduzir a democracia à concorrência eleitoral. O povo seria livre apenas durante o período das eleições. De resto, seria passivo às decisões do quadro político vencedor.
Pasquino posiciona-se contrário a tais críticas. Segundo ele, é preciso considerar a complexidade do processo que leva um grupo de pessoas a concorrer às eleições e a ganhá-las. Em adição, seria preciso também levar em conta as modalidades de governo adotadas pelos vencedores, bem como as probabilidades de os cidadãos pressionarem os governantes.
Então, mesmo que não se conheçam as reais intenções de quem assume o poder, a maior parte dos governantes seguiria as vontades do eleitorado, com medo de perder sua representatividade nas eleições subsequentes. Contudo, essa “idealização” defendida pelo autor italiano deixa de lado variáveis importantes, como a manipulação dos meios de comunicação pelos detentores do poder, bem como a recorrente falta de consciência política do eleitorado.
Um dos principais requisitos para a existência de um regime democrático é o sufrágio. O corpo eleitoral deve corresponder a todos os cidadãos, sem qualquer discriminação a não ser a idade – o autor considera cidadão todo e qualquer indivíduo constituinte da população de determinado país.
É igualmente importante que os cidadãos possam exercer livremente as atividades responsáveis pela estruturação do voto, como manifestações, petições e críticas ao governo vigente. Devem ser respeitados também direitos de reunião, de expressão, e de imprensa – observa-se novamente uma idealização por parte do autor, pois cabe ressaltar a privação de algum desses direitos em Estados ditos democráticos. A lembrar: a recente proibição e restrição de manifestações públicas no estado de São Paulo.
Robert Dahl acredita que a democracia derive do conjunto de dois elementos: em primeiro lugar, a chamada liberalização, em que há o aumento das oportunidades de contestação, capaz de conduzir os regimes fechados a favor das oligarquias concorrentes; e a inclusão, em que ocorre o aumento nas atividades de participação da população. O resultado são os chamados regimes poliárquicos, em que nenhum grupo está, a rigor, em condições de exercer domínio sobre os demais.
O regime democrático surge e funciona, segundo Dahl, pela ação de uma camada em tese numerosa da população, a favor da tolerância política, da interiorização das normas democráticas, de sua legitimação e do controle de conflitos. Outro aspecto é a aceitação mútua das elites, que assim convivem entre si e competem pelo poder político.
Ainda citando Robert Dahl, Pasquino ressalta brevemente o aspecto da inconveniência trazida pelo capitalismo nos regimes democráticos, sobretudo quanto ao desequilíbrio de poder a favor dos “capitalistas”. O mesmo fenômeno teria ocorrido em sistemas econômicos socialistas, pois neles não houve de fato a extinção dos poderes concentrados nas mãos de uma minoria.
O ordenamento internacional é outro fator de influência no curso de regimes democráticos, tanto para a facilitação, quanto para a debilitação deles. Pode-se constituir uma rede de apoio, quando o contexto democrático for sólido. Pode-se também estabelecer um elemento de forte perturbação, ao se observarem tendências à subversão da democracia.
As condições sócio-econômicas, de acordo com a tese do sociólogo político Seymour Martin Lipset [1981], são diretamente proporcionais à estabilidade de um regime democrático. Para tanto, fundamentam-se em indicadores como renda per-capta, nível de instrução, taxa de urbanização, nível de industrialização e a exposição aos meios de comunicação social. Essa tese, objeto de grandes reformulações, busca mostrar uma relação de causa e efeito entre desenvolvimento sócio-econômico e estabilidade da democracia.
Alguns estudiosos defendem a ideia de que são as grandes desigualdades entre classes os principais responsáveis pela debilitação da democracia. Outros defendem que é a maneira com que o desenvolvimento sócio-econômico foi atingido. A tentativa de alcançar o desenvolvimento de forma acelerada, por exemplo, tenderia a fazer apelos a métodos autoritários, desestabilizando assim o sistema político democrático.
Tendo em vista a influência e o comportamento das elites em um sistema democrático, Arend Lijphart elaborou a seguinte classificação: democracias centrípetas, caracterizadas por uma cultura política homogênea e um comportamento concorrencial das elites (sistemas políticos anglo-saxônicos); democracias centrífugas, caracterizadas por uma cultura política fragmentada e por um comportamento igualmente competitivo das elites – casos de França, Alemanha e Itália; democracias associativas, dadas pela fragmentação da cultura política e a coesão do comportamento das elites – casos de Áustria, Bélgica, Holanda e Suíça; e as democracias despolitizadas, em que a cultura política é homogênea e as elites, coesas.
Levando-se em consideração as variáveis institucionais, Lijpihart caracteriza duas lógicas diametralmente opostas: As democracias maioritárias, e as consensuais. A primeira valoriza o conflito político; a segunda, receosa dos efeitos desse método, prefere buscar acordos.
Os elementos constituintes das democracias maioritárias são: preponderância do executivo; sistema bipartidário; sistema eleitoral majoritário; pluralismo de grupos de interesse; sistema de governo unitário e centralizado; concentração do poder legislativo em uma assembleia de uma só câmara; constituição flexível; ausência de judicial review; e controle do banco central pelo executivo.
Já quanto ao modelo consensual, destacam-se: partilha do poder executivo, com a existência de grandes coligações; equilíbrio dos poderes executivo e legislativo; sistema multipartidário; representação proporcional; corporativismo dos grupos de interesse; federalismo e governo descentralizado; forte bicameralismo; constituição rígida; judicial review; e independência do banco central.
Cabe ressaltar que essa classificação revela incertezas e insuficiências, principalmente por se basear em muitos elementos. Assim, alguns sistemas políticos mudam de categoria com a mera alteração de determinado elemento significativo, como o sistema eleitoral, por exemplo. Assim, quanto mais significativos forem os elementos utilizados, mais úteis são as classificações pretendidas.
Evidentemente, podem existir casos em que a maioria que governa está sobredimensionada e casos em que o governo não chega a ser composto por uma maioria. Pode haver decisões adotadas por uma maioria relativa, e outras, tomadas por uma maioria qualificada. O que deve contar, contudo, é que a democracia se rege precisamente pela aceitabilidade e ela legitimidade do princípio do Governo da maioria.
Por fim, o futuro da democracia enxerga suas bases no descrédito conferido às possibilidades alternativas de governo, como o viés totalitário. Fato é que a vertente democrática não conseguiu cumprir inúmeras promessas, tais quais tornar-se uma sociedade de iguais, sem corpos intermediários; eliminar os interesses organizados e particulares que se opõem aos da generalidade, consubstanciados na representação política; acabar com as oligarquias; estender-se aos aparelhos burocrático administrativo e militar do Estado e às empresas; destruir os chamados poderes invisíveis; e elevar o nível de educação política dos cidadãos.

Arthur Meibak

World Politics: Menu for Choice

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Este resumo refere-se ao quinto capítulo da obra World Politics: Menu for Choice, cuja autoria é de Bruce Russett. O autor, nascido em 1935, é professor catedrático de ciências políticas e Relações Internacionais da Universidade de Yale, além de ter sido editor do jornal acadêmico Journal of Conflict Resolution entre os anos de 1972 e 2009. Periódico esse que publica artigos científicos voltados a temas de interesse das relações internacionais. Russett é especialista em estudos de paz e conflitos.
No capítulo em questão, intitulado Relations Between States: Power and Influence, o autor parte da premissa de que “poder é a habilidade para superar obstáculos e influenciar as tomadas de decisões”, em tradução livre. O poder é encarado, então, tanto como um conjunto de atributos nacionais, quanto o processo de exercer influência. Logo, essa idéia ganha sentido apenas quando determinado Estado interage com outro Estado, de forma que o comportamento de um exerce influência no comportamento do outro, direta ou indiretamente.
Uma forma de interpretar a relação entre os atores internacionais é a visão realista. Nela, esses atores são ávidos por poder e pela dominação de outros atores. Hans Morgenthau, o mais lido autor desta vertente, defende que o poder é centrado nas disputas entre os Estados, caracterizadas usualmente pelo uso e manipulação de recursos militares. Tudo isso em meio a um sistema internacional anárquico.
Outros autores, contudo, acreditam que essa interpretação de poder seja exageradamente baseada em conflito e coerção. O contraponto é que o poder assume muitas outras formas no cenário internacional. Servem de exemplo alguns países como Japão, Austrália e Nova Zelândia, onde os esforços militares ocupam um papel secundário.
É lógico imaginar que os Estados, bem como as pessoas, passem por situações em que haja conflitos de interesse entre eles. Contudo, a forma com que esses conflitos são resolvidos passa por soluções muitas vezes diversas ao uso da força, defendido pelos realistas.
O exercício de influência é um método pelo qual um Estado lida com outro.Trata-se da habilidade de um ator A forçar um ator B a fazer algo que B não faria espontaneamente. Essa ação é chamada de compellence, ou ainda, coercive diplomacy. Sua contrapartida chama-se deterrence, que significa influenciar um ator a não fazer algo que ele faria em um primeiro momento. Há casos até em que determinado Estado sequer agiria de determinada maneira, como outro ator supostamente poderia imaginar.
Países ricos, além de influenciarem nas escolhas de outros Estados, influenciam as agendas de assuntos a serem discutidos no âmbito internacional. Essa é uma forma de poder estrutural, bem como o chamado soft power, caracterizado pelo exercício de atração, em oposição à coerção (hard power). Tal exercício de atração significa dar aos outros algo que eles queiram, obtendo em troca algo de relevante utilidade para si.
Outro aspecto de notada influência são as capacidades de cada ator no cenário internacional, como armamentos e investimentos em pesquisas. As capacidades de um Estado são fundamentais à medida que reforçam sua credibilidade perante os outros jogadores. Em adição, a reputação é requisito central quanto aos conceitos de compellence e deterrence. O uso de esforços militares significa que um Estado falhou em persuadir outro. A esse fenômeno dá-se o nome de failure of influence.
As capacidades nacionais, vale ressaltar, são os recursos em que um Estado pode se basear, a fim de atingir um resultado desejado. Alguns desses recursos são mais tangíveis que outros. Densidade demográfica e aspectos geográficos são questões centrais, ao se falar em base de poder. Essas são as capacidades mais tangíveis associadas a grandes potências. A topografia do território contribui para a defesa territorial, bem como o clima e a localização.
Uma outra importante dimensão dos recursos humanos de um Estado é a quantidade de pessoas que concluíram o ensino superior e o acesso a conhecimentos especializados em ciências e engenharia, por exemplo - boa parte do poderio militar depende do acesso ao conhecimento científico. O acesso a cuidados médicos de qualidade também é um importante “termômetro” para medir o desenvolvimento de um país. Basicamente, o índice de desenvolvimento humano IDH leva em conta esses pontos, ao analisar a longevidade, o conhecimento e o nível de vida de uma população.
Na política mundial, a economia de um país é vital para seu poder de influência. O tamanho de uma economia doméstica é mensurado pelo produto interno bruto (PIB), além do crescimento percentual do PIB, de um período para outro. Assim, quanto mais desenvolvida for a economia de um Estado, menos ele será suscetível às influências de outros atores internacionais.
Como já fora dito, a capacidade militar é um elemento crucial para o poder de um Estado e, para boa parte dos realistas, é o principal indicador. Desde 1945, o símbolo do poderio militar é o arsenal nuclear de um país.
Além desses aspectos citados, as capacidades podem ser influenciadas por elementos intangíveis, tais quais liderança, fé em determinada causa, ou mesmo a coesão resultante de uma ameaça de morte. Essas características são observadas com mais freqüência em países menores, quando em conflito com maiores.
Um outro tipo de capacidade intangível é a habilidade de coletar e analisar informações. Essa é a qualidade da inteligência. Barrett diz: Any government that can reduce the uncertainty of the international enviroment through knowledge has an advantage. Os primeiros tipos de informação a serem coletados dizem respeito aos objetivos, planos e intenções de outros atores internacionais. O recolhimento desses dados favorece a otimização do uso das “ferramentas” de influência.
A informação pode ser desmembrada também em conhecimento acerca do poderio militar e econômico, bem como a situação política interna de determinado país. Posteriormente, governos buscam informações sobre os efeitos de suas próprias decisões e atos no meio internacional. Portanto, inteligência envolve a coleta, análise, interpretação e armazenamento de informações, além de sua transmissão para os chamados tomadores de decisão.
Já quanto à influência diplomática, o autor parte da idéia de que diplomacia costuma envolver relações entre governos, com a finalidade de concluir objetivos em nome dos Estados. Então, o principal atributo da diplomacia é a comunicação, que age no sentido de diminuir mal-entendidos entre as partes em diálogo. Em adição, trata-se de um mecanismo que age para solucionar problemas entre governos, facilitar a comunicação entre distintas culturas e negociar, sobretudo.
Um método importante para o alcance de influência é a barganha. Primeiramente, há o comprometimento de negociação com bases em “boa fé”. Isso significa que ambas as partes em negociação se propõem a chegar a um acordo. O segundo passo é iniciar o processo de barganha sobre os atuais termos de acordo, ou seja, definir soluções e negociar acordos. Obviamente, cada lado deseja minimizar os próprios custos. Persuasão e promessas são empregadas nesse processo.
Outro tema que pode ser posto à mesa de negociações é a resolução de conflitos, com a mediação de uma terceira parte, um Estado ou a corte internacional, principalmente. Essa seria uma forma de evitar o uso de ameaças ou força (conquista, submissão forçada, compellence, ou deterrence). As incompatibilidades entre os atores pode provir de inúmeros fatores, tais quais o desejo de ocupar o mesmo território, controlar o mesmo maquinário ou pescar nas mesmas águas.
Não há dúvidas de que o uso de capacidades militares é um imponente modo de mostrar força. Contudo, O efetivo militar por vezes age no sentido de salvar vidas, como é o caso da missão brasileira no Haiti (exemplo meu). Pode-se, nesse tipo de investida, reforçar o relacionamento entre os países, formando-se alianças.
Em adição, pensando-se no viés economicista de influência, fica claro que os detentores das economias mais robustas levam vantagem ao influenciarem quem não as possui. Esse modo de coerção pode ser aplicado com o corte de supostos auxílios de Estados ricos para Estados pobres, que, por sua vez, podem nacionalizar os investimentos privados em seus territórios, ou aumentar o preço de suas commodities, para prejudicar os importadores desenvolvidos. Contudo, é raro algum bem econômico ou serviço ser totalmente cortado com essas ações. O mais comum é que sejam influenciados apenas os níveis de distribuição de tais bens de consumo ou serviços.
Em suma, no quinto capítulo da obra World Politics: Menu for choice, escrita por Bruce Russett, foram discutidas algumas das medidas adotadas pelos Estados, a fim de interagirem e exercerem influência entre si. Foram vistos também alguns métodos diplomáticos, militares e econômicos para se exercer influência.

Arthur Meibak

Liberalismo

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Liberalism é o título dado ao oitavo capítulo da obra The Globalization of World Politics, escrita por Tim Dunne, cuja primeira edição foi publicada em 2001. Dunne é um estudioso britânico das relações internacionais e atualmente ocupa o cargo de editor do Jornal Europeu de Relações Internacionais, reconhecido como um dos principais jornais nesta área. O autor britânico foi responsável pela cadeira de humanidades e ciências sociais da Universidade de Exeter, no Reino Unido. Seu principal interesse teórico diz respeito à chamada Escola Inglesa, vertente teórica de análise das Relações Internacionais.
O texto é estruturado de forma que, em um primeiro momento, levanta-se o debate entre progresso no âmbito doméstico do Estado e a falta de justiça no âmbito internacional. Em seguida, conceitua-se o Liberalismo, por meio das visões de estudiosos como os iluministas Immanuel Kant e Jeremy Bentham, defensores de argumentos liberais. Por fim, discute-se a teoria liberal na era da globalização, através de seu viés político.
Ao passo que o Realismo é a teoria dominante nas relações internacionais, o Liberalismo é caracterizado como uma ideologia alternativa. As raízes liberais datam do século décimo sétimo, com o destaque de pensadores tais qual John Locke. A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) foi um marco do ressurgimento do Liberalismo, após a Segunda Guerra Mundial, sendo que sua notoriedade foi particularmente alcançada nos anos 90, com a formação da nova ordem mundial pós Guerra Fria.
O Liberalismo se opõe aos preceitos realistas de que o âmbito internacional é regido por sua natureza anárquica e a relação de influência entre os Estados é definida basicamente pelo poderio militar. As mudanças liberais devem ser feitas por meio das ideias – sua natureza, a rigor, é pacífica. Seus principais aspectos são dados pelo progresso, direito à educação, acesso à informação, pela igualdade jurídica e pela tolerância religiosa. Em adição, a assembleia legislativa deve representar unicamente os direitos do povo. Deve haver o direito à propriedade, incluindo-se as forças de produção, e, principalmente, a economia deve ser desregulamentada. O Liberalismo, então, preza pelo individualismo, liberdade, tolerância e constitucionalismo, em oposição ao conservadorismo.
Para os liberais, os motivos da guerra são dados pelo imperialismo, pela falha de equilíbrio de poder entre Estados e pela falta de democracia em alguns governos. Essa justificativa vai de encontro à explicação realista de que as guerras se devem à anarquia do sistema internacional. As duas teorias divergem entre si também quanto à importância dada às instituições internacionais; enquanto o Realismo não confere nenhuma importância a tais instituições, o Liberalismo enxerga nelas uma maneira de assegurar a descentralização no âmbito internacional, para que seus valores de liberdade político-econômicos sejam assegurados.
A busca conceitual pela paz permanente é delineada por Kant em sua obra Perpetual Peace: A Philosophical Sketch. Para tal, o autor defende que a constituição civil de todo Estado deve ser republicana, pois o sujeito da constituição é o cidadão, que, portanto, envolver-se-ia diretamente nas guerras, ao contrário de um monarca, por exemplo. Em adição, o direito das Nações deve ser baseado na federação de Estados livres, em que haja uma constituição que assegure a cada membro seus direitos. Por fim, Kant diz que deve existir uma espécie de universalização da hospitalidade de costumes, ou seja, qualquer violação de direitos deve ser sentida em qualquer lugar do mundo, não se limitando a seu lugar de ocorrência.
Assim, o pensamento liberal enxerga que a ordem natural foi corrompida por líderes de Estado autoritários e por políticas em tese ultrapassadas como a do equilíbrio de poder. Os liberais acreditam que uma moral cosmopolita pode ser alcançada através do uso da razão e da criação de Estados constitucionais. Além disso, a desregulamentação do mercado ajudaria na pacificação das relações internacionais.
Dentre o viés liberal, destacam-se ainda os idealistas, para quem a liberdade dos Estados no âmbito internacional é um problema, e não uma solução. Esse diagnóstico é feito com base na suposta necessidade por um pensamento normativo, no sentido de se promover a paz e construir um mundo melhor. Em segundo lugar, o Idealismo prega que os Estados devem fazer parte de uma organização internacional capaz de determinar as regras a serem seguidas, a favor de questões como o desarmamento, ou mesmo o enforcement, quando necessário.
Já no contexto pós-queda da URSS, houve a ascensão do chamado Neo-Liberalismo, fazendo frente ao Realismo contemporâneo. Os Neoliberais explicam a durabilidade das instituições internacionais, apesar de significativas modificações no panorama internacional, ao longo das décadas. Nesse sentido, tais instituições possuiriam certa relevância quanto às relações internacionais, influenciando nas preferências dos Estados e inserindo-os em um contexto de cooperação mútua.
Fato é que o Liberalismo encontra-se em uma crise, devida, sobretudo, pelo aumento da descrença em seus pressupostos iluministas. Os eventos de 11 de setembro de 2001, bem como a “guerra contra o terror” são determinantes nesse sentido, pois tendem a uma abordagem realista dos ocorridos. Ao contrário do que pressupunham Kant e Benthan, entre outros, a aplicação da razão e da ciência à política não juntou as diferentes comunidades. Pelo contrário, evidenciou-se a natureza fragmentada da comunidade política, expressa por diferenças étnicas, linguísticas ou religiosas.
A crítica feita ao Liberalismo é de que a universalização dos valores liberais, como democracia e capitalismo, bate de frente com as tradições e práticas das culturas não alinhadas com o ocidente. Consequentemente, os liberais não conseguem lidar com tendências políticas contrárias às suas, julgando-se os detentores da “iluminação” e levando-a para lugares que, segundo eles, padecem do obscurantismo.

Arthur Meibak

A Crise do Sistema Colonial

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A crise do sistema colonial decorreu de uma série de fatores que mudaram a estrutura de poder vigente no mundo europeu e em parte das colônias do “Novo Mundo”. Cabe ressaltar a independência das colônias inglesas na América do Norte, bem como a Revolução Francesa, embasada pelos ideais de ruptura – liberdade, igualdade e fraternidade. A Revolução Inglesa, com a utilização de novas fontes de energia, a invenção de máquinas, o desenvolvimento agrícola e o consequente controle do comércio internacional, foi outro fator de relevante influência na mudança do panorama do poder então existente, no final do século XVIII.
Como detentora da condição de pioneira na produção de manufaturas, a Inglaterra passou a pressioar os demais países (sobretudo da Europa ocidental) no sentido da liberalização dos mercados, por meio da assinatura de tratados internacionais, forçando assim a comercialização de seus produtos. Em contrapartida, os britânicos tomavam medidas protecionistas a fim de manter o controle sobre seu mercado doméstico.
Nesse sentido caminhou a extinção da escravidão dos negros africanos, a favor da ascensão de trabalhadores monetariamente remunerados, o que representava uma ampliação do público consumidor dos produtos ingleses. Mais do que isso, deve ser levada em conta a influência do pensamento ilustrado no declínio do comércio escravista.
Portanto, a crise do sistema colonial é sintetizada como uma etapa de formação do capitalismo industrial, relacionada com a ascensão da burguesia ao poder, tomando-se o devido cuidado com uma associação simplista entre esses dois elementos.


Arthur Meibak

Os Pensadores: Vico

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Giambattista Vico foi um filósofo italiano reconhecido, entre tudo, como um precursor da chamada Antropologia Cultural. Apesar disso, esse reconhecimento é tardio. Em seu tempo, ele fora pouco valorizado. O autor acabou por ser redescoberto a partir do século XIX, tendo sua importância levada em consideração por pensadores como Marx e Groce. Vico passou a maior parte de sua vida profissional como Professor de Retórica, na Universidade de Nápoles. Sua principal obra é denominada por Nuova Scienzia, ou Nova Ciência. Atualmente, sua influência se faz notória na área de Humanidades e de Ciências Sociais.
Seu ponto de vista social é amplamente influenciado pelas agitações da localidade que viria a ser a Itália, imersa em um contexto de virada entre os séculos XVII e XVIII. Cabe ressaltar que a expressão mais utilizada no citado território dizia respeito às artes visuais, que se sobressaíram, entre todas as formas de manifestação cultural que floresceram em meio a essa realidade. No que diz respeito às influências impostas por aqueles dias, inerentes à formação do autor, há de se levar em conta a cultura helênica. Assim, a citada região se tornou um importante centro de difusão da concepção que unia a habilidade artística à capacidade produtiva do indivíduo, por assim dizer. Há ainda resultados no campo da escultura e da cerâmica, além da arquitetura.
Conseqüentemente, o autor pretende discutir o assunto por ele proposto com os personagens pertencentes a esse contexto histórico, ou seja, uma sociedade moderna, que representa entre tudo uma burguesia emergente, ou algo que se aproxime a tal ideal, uma vez enunciado o universo em questão.
Ao longo do objeto de estudo aqui utilizado, é feita uma defesa a respeito da natureza do homem. Com isso, entendia-se que há a existência de um direito natural. Para a afirmação de tal ideário, foram mencionados aspectos ditos zodiacais, com a afirmação de que alguns “signos zodiacais” seriam eleitos como sobressalentes, a respeito da influência exercida sobre, entre tudo, o movimento cíclico a história das Nações, o que serviria de explicação para o processo e sentido da História.
Vico demonstra, pois, o avanço do homem através de um modelo de conhecimento do mundo. Este se baseia nas divindades representadas por fenômenos naturais compreendidos como a manifestação da vontade divina. Tal fato leva em conta o tempo dos grandes heróis ou entes aglutinadores de povos, que são nominados e têm suas aventuras contadas com apoio dos mitos e, por fim, passa por um mundo controlado pela razão ou idade dos homens. O autor em questão tende a aplicar este esqueleto de sustentação teórica para explicar o desenvolvimento da linguagem, do aprendizado e de uma teoria do Estado.
A proposição por ele auferida busca os debates da valorização das ciências humanas e, principalmente, da História. Assim, é apresentada a crítica de Vico contra o método cartesiano. Mais do que isso, é perpetrado o desenvolvimento de sua teoria da História, e a importância dada por ele a fontes que mais tarde seriam redescobertas ou revisitadas pela História Cultural.
Por fim, o texto organiza um tipo de discurso regulado pelo ensaio, já que se trata de um esboço formal, bem adiantado, discursivo e concludente. Foi feita, além de tudo, uma exposição lógica com uma relevante explanação e julgamento pessoal, bem como uma exibição de natureza metodológica sobre o que foi tratado e a elucidação de um espírito crítico.


Arthur Meibak

Sobre a Filosofia da História

terça-feira, 6 de julho de 2010

A obra cujo roteiro de leitura foi desenvolvido é de autoria de Jacques Maritain, autor francês, que nasceu por volta da última década do século XIX, e faleceu em meados da década de 70, do século passado. Trata-se de um filósofo de orientação católica, que pensa em uma “democracia cristã”, de forma que ele foi personagem relevante quanto à renovação do pensamento “Tomista”, em seu tempo. O citado objeto de renovação é caracterizado, grosso modo, por ser uma filosofia dita escolástica, que tem por bases considerações acerca do aristotelismo, em adição com o catolicismo.
O ponto de vista social do autor em questão é dado, sobretudo, pela ótica de um cidadão francês que, como tal, enxerga o mundo com um viés do homem europeu, que vivencia as transformações no mundo do início da segunda metade do século XX, tais qual a consolidação do sistema socialista, formado por países do leste europeu, bem como o antagonismo a esse fato, personificado pelos estadunidenses, fortalecidos no pós-Segunda Guerra Mundial
As intenções de Maritain são de discutir, por meio de um ensaio, com a sociedade francesa dos anos 60, influenciada, portanto, pelo contexto social dessa época. Ressalta-se, ainda, uma motivação de cunho religioso, por parte do autor. Com isso, percebe-se seu interesse em debater a questão da teologia em adição ao estudo filosófico, de maneira que, segundo ele, estes campos devem possuir uma noção bem definida acerca do conceito de “mundo”.
Nesse sentido, a idéia defendida pelo autor é a de que existe um vínculo relevante entre a Filosofia e os dados teológicos. Mais do que isso, ele acentua um aspecto de “Filosofia cristã da História”, em meio à noção que ele possui a respeito da Filosofia da História, propriamente dita.
Para reforçar esse viés, é citada a obra de Toynbee, por Maritain, que o julga como um “a - teólogo”, ou, ainda, “meramente racional e natural”, além de avaliar que Toynbee rejeita a idéia de buscar, no campo da teologia, assistência e complemento à sua pesquisa. Essas características são, segundo o autor aqui estudado, incompatíveis com suas próprias opiniões sobre o objeto de estudo em questão.
Em adição, os argumentos são organizados de forma que fora feita inicialmente uma contextualização do objeto de estudo, com uma breve explanação a respeito da validez das ditas leis filosóficas, com a finalidade de esclarecer a história humana. Em um segundo momento, define-se a Filosofia da História como um meio termo entre a Filosofia moral e a História como “mera enumeração de fatos”, para, então, o autor expor seu ponto de vista, a respeito da relevância dos usos de dados teológicos, em vinculação com a Filosofia.
Por fim, cabe salientar que a Religião encontra seus fundamentos atrelados à História e a seus usos. A crítica fica por conta de que é discutível a idéia de que certos dados ditos proféticos ou teológicos sejam indispensáveis à Filosofia da História.

(Arthur Meibak)

Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Pode-se dizer que o autor em questão, Manoel Luis Salgado Guimarães, é considerado uma referência quanto aos estudos historiográficos no Brasil. Ele se graduou em História pela Universidade Federal Fluminense, além de possuir pós-graduações em instituições tais quais a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Freie Universität Berlin e École de Hautes Études em Sciences Sociales. Foi, durante muito tempo, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Sua especialização fica por conta da área da Teoria da Filosofia da História, com ênfase em Educação, História da Educação e Brasil-Império, campo pelo qual passa a análise do texto aqui em questão.
Com isso, o ponto de vista social do autor é dado, sobretudo, pelo Rio de Janeiro da segunda metade do século passado, além da primeira década desse século. Ressalta-se ainda, que ele faleceu no início deste ano. Então, em meio ao contexto de acirrada globalização, principalmente, quanto à transmissão de informação, Pode-se afirmar que ele está discutindo o tema proposto com um público caracterizado por acadêmicos brasileiros, por assim dizer. Pessoas que estudam questões referentes aos usos da História, bem como o debate acerca da natureza desse campo de análise.
Dessa maneira, seu objetivo é o de tratar da produção historiográfica no Brasil, bem como a definição a respeito do momento em que ela se intensificou, tornou-se de fato saliente. Mais do que isso, ressalta-se a marca elitista intrínseca a essa produção, herdeira de uma tradição iluminista, em um período relativamente extenso do século XIX. Em meio a esse cerne, é feita uma abordagem quanto à criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Tal projeto nasce em meio ao processo de criação do Estado Nacional, fato que mantém profundas relações com a proposta do citado instituto.
Nesse sentido, a tese defendida pelo autor é a de que havia em curso a discussão da questão nacional no Brasil, bem como o papel que a escrita da História desempenha nesse processo. Segundo ele, trata-se de precisar com clareza como esta historiografia deveria definir, grosso modo, a Nação brasileira, conferindo a ela uma identidade própria, capaz de atuar tanto em um contexto interno, quanto externo. Com isso, uma vez definida a citada Nação brasileira com bases na idéia de civilização no chamado Novo Mundo, há também uma definição acerca de quem seria excluído do referido processo, por não possuir a noção de civilização suposta, ou seja, índios e negros.
Assim sendo, o autor organiza seus argumentos no sentido de que ele prepara de forma introdutória a questão dos usos da História no sentido da formação de uma identidade Nacional no Brasil. Com isso, é analisada a mudança no comando do já citado IHGB, já que o Estado Imperial passou a exercer relevante influência sobre esse grupo, contribuindo com cerca de 80% do orçamento deste. Em adição, era pretendida uma argumentação científica, o que, de certa forma, alijava conhecimentos arqueológicos, lingüísticos e etnográficos, do processo em questão, uma vez que essa seria uma maneira de se ter influência de uma cultura “estranha”, a dos indígenas.
Complementarmente, ressalta-se que o texto cuja análise é feita é caracteristicamente histórico. Assim como Hegel e sua Filosofia da História, o autor aqui tratado volta de certa forma ao passado, com o intuito de justificar a evolução da realidade relativa ao mundo que ele traçou a priori, à formação do Estado Nacional brasileiro, levando em conta as ligações desse fato com a produção historiográfica no Brasil do século XIX.
Por fim, o texto estudado possui um viés pautado pela notada influência das elites nacionais quanto ao processo de formação de uma historiografia Nacional. Nesse sentido, a crítica é feita por conta de que as camadas populares cujos constituintes fazem parte do grupo considerado apto a ser o personagem da soberania, no que tange à personificação historiográfica brasileira, acabam sendo deixadas de lado, nesse processo. Isso se observa tanto como formadores desta historiografia, quanto atores que eventualmente deveriam ter suas ações contadas por meio dela.

(Arthur Meibak)